22/08/2023
Cotidiano

Seu bairro: moradores do Jardim Aeroporto vivem “atolados” no pó

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Guarapuava – Quem mora em localidades mais próximas da área central não consegue imaginar como é viver na periferia da cidade. Sem acesso à rede de saneamento básico, com atendimento de saúde precário, ruas esburacadas, sem qualquer espaço de lazer, sem creche, entre outras deficiências, os moradores do Jardim Aeroporto convivem diariamente entre o pó ou a lama.

“Quando não chove a gente se afoga no pó e quando chove a gente se encalha na lama”, diz dona Rosilene dos Santos, moradora no local há 10 anos. “Sempre vivemos abandonados. As ruas não têm cascalho. Na semana passada a patrola passou numa das ruas, não puseram o cascalho e tivemos que pedir para que o caminhão-pipa viesse, se não a gente ia morrer afogado com a poeira”, reclama.

“Eu vivo com bronquite, meus filhos com alergia por causa desse pó. Tivemos que mudar do bairro por causa desses problemas de saúde. E tem muita gente aí que sofre com isso”, comenta Maria Alice de Oliveira.

Constatar as reclamações da moradora é muito fácil. Basta caminhar um pouco pelo bairro, que a qualificação de vila, para se deparar com outros problemas. O matagal toma conta de boa parte da localidade, os pontos de ônibus não têm cobertura. “Quando chove a gente vai pra cidade com a roupa molhada, porque mesmo subindo no banco não se escapa da água”, comenta Claudia Kulicki.

Moradora no bairro há 32 anos, dona Catarina Kulick aproveitava a fresca da tarde nos últimos dias do verão para “jogar conversa fora” com as filhas e a amiga Maria Cristina Cordeiro dos Santos, também moradora antiga do bairro. “Estou aqui há 14 anos e nunca vi nada mudar”, diz. “Eu também não”, completa a amiga Maria Cristina.
“Não podemos trabalhar porque não existe creche para deixar nossos filhos”, intervém Eliane Kulick.

A conversa se estende entre a roda de amigas e as reclamações são o denominador comum. “A escola (Pedro Itararé) é muito pequena para o número de alunos matriculados. Não tem pátio e nem espaço para que as crianças façam o lanche. Na hora do recreio as turmas vão saindo aos poucos”, conta Eliane.

Empregos no bairro também não existem. As empresas estão instaladas às margens da BR-277 e a maioria é de pequeno porte. Mini-mercado, pequenas mercearias, por exemplo, são “tocados” por donos que se revezam com pessoas da própria família. “Eu moro aqui desde que a vila existe e estou indo trabalhar em Entre Rios. Se na cidade não existe emprego, imagine aqui. A gente vive com a graça de Deus”, diz Maria Ermínia Soares.

A Assessoria de Comunicação da Prefeitura foi várias vezes contatada pela TRIBUNA, mas não deu retorno. Na última tentativa, o telefone foi tirado do gancho, mas não atendido, e desligado.

Não há praça, nem ginásio de esportes

Cortado pela PR 170 que dá acesso ao município de Pinhão e por avenidas, entre as quais a Moacyr Julio Silvestri, o jardim Aeroporto, assim como a sua geografia recortada, é composto por várias vilas de pequeno porte. São loteamentos aprovados sem que o local tenha o mínimo de infra-estrutura básica. As ruas que ligam uma vila a outra são cheias de buracos e em alguns casos danificadas pela erosão, o que facilita solavancos, principalmente, dentro do ônibus do transporte coletivo urbano. “A gente tem que se agarrar pra não cair, mais parece uma boiada do que gente”, diz uma mulher enquanto subia para o ônibus sem dar tempo de saber o seu nome.

“Queria que o prefeito andasse um dia de ônibus por estes lados pra ver se ele iria gostar”, sugere ironicamente Claudia Kulick. Um dos locais mais distantes do centro da cidade, o Jardim Aeroporto conviveu com a esperança de ter um ginásio de esportes coberto. O recurso foi conquistado pelo deputado federal Cezar Silvestri, mas uma decisão do prefeito Fernando Ribas Carli, já que a Prefeitura teria que doar o terreno, frustrou a expectativa dos moradores. O ginásio será construído no Jardim das Américas.

“Aqui não temos praça, não temos parque infantil e nem dá pra fazer caminhada nas ruas. O único espaço que temos é o aeroporto. É lá que fazemos os nossos exercícios”, comenta dona Maria Cristina. “É, a gente gosta de ir lá porque, ao menos, tem avião pra gente ver”, intervém dona Catarina.

Para poder se exercitar, porém, enfrentam um grande perigo: atravessar a BR-277 para poder chegar à “pista” improvisada. “Às vezes caminhamos à beira da rodovia, mas o perigo é ainda maior”, relata dona Catarina. “Será que a gente não merece uma pracinha com aparelhos de ginástica para a terceira idade?”, questiona.

Outra “fotografia” que comprova o abandono do Jardim Aeroporto são 22 casas que estão sendo construídas pela Companhia de Habitação do Paraná (Copahar). A obra está parada e o escritório regional da Cohapar não soube dizer por qual motivo.

Auto-estima em baixa

A distância do centro da cidade e as condições de precariedade do bairro contribuem de forma negativa para a auto-estima dos moradores. “É o meu bairro, mas não gosto de morar aqui”, diz dona Maria Cristina.

“Quando conto para amigos que moro aqui, as pessoas dizem: nossa! Você mora lá no Jardim Aeroporto? Como você pode morar lá? Dá uma vergonha”, comenta Claudia.
Para as moradoras, entretanto, um dos pontos positivos é a tranquilidade do local. “Aqui não é um lugar violento, mas a última vez que mataram um, foi a pedradas, mas já faz bastante tempo”, comenta dona Catarina. “Outro dado positivo é que todos se conhecem”, diz Claudia.

Liderança dividida

Se o bairro é dividido por vilas, pela BR 277, pela PR 170 e se emenda com o Jardim das Américas, com a liderança do local não é diferente. Laureci Sesbatião de Paula se identifica como sendo o presidente do Jardim Aeroporto, cargo que também é reivindicado por Ednilson Balkota. “Eu sou o presidente do Jardim Aeroporto há um ano. Tenho tudo registrado em ata e tenho o estatuto comigo”, diz Ednilson. De acordo com “Batatinha”, como é conhecido na comunidade, as coisas estão começando a acontecer. “De tanto pressionar ele (Prefeitura) já patrolaram e cascalharam uma rua e patrolaram outras. O posto de saúde ia ficar sem médico porque o que atende aqui saiu em férias, mas fui lá (Secretaria de Saúde) e hoje mesmo (quarta-feira) outro médico veio atender”, afirma.

Laureci, que também se considera presidente da Associação do Jardim Aeroporto (vilas Nossa Senhora de Fátima, Belém e Santa Mônica), “até que nova eleição seja realizada em abril deste ano”, diz que o bairro precisa de muitas coisas e faz coro às reivindicações da comunidade. “Precisamos de creche, de ruas asfaltadas para acabar com o pó e com o barro, precisamos de ginásio de esportes, de praça, de iluminação pública. Tudo está em projetos, mas as coisas precisam acontecer”, defende.

Foto: cortado pela PR 170 que dá acesso ao município de Pinhão, o Jardim Aeroporto sofre com a falta de infra-estrutura (Nagel Coelho/Rede Sul)

Cristina Esteche

Jornalista

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